DIEGESE

Termo de origem grega divulgado pelos estruturalistas franceses para designar o conjunto de acções que formam uma história narrada segundo certos princípios cronológicos. O termo já aparece em Platão (República, Livro III) como simples relato de uma história pelas palavras do próprio relator (que não incluía o diálogo), por oposição a mimesis ou imitação dessa história recorrendo ao relato de personagens. Por outras palavras, o sentido da oposição que Sócrates estabelece entre diegesis e mimesis corresponde, respectivamente, à situação em que o poeta é o locutor que assume a sua própria identidade e à situação em que o poeta cria a ilusão de não ser ele o locutor. De notar que a teoria de Sócrates diz respeito à diferença entre o drama (que é sempre mimesis) e o ditirambo (que é sempre diegesis), salvaguardando-se a natureza da épica (que é ambas as coisas). Divergindo desta oposição clássica, a partir dos estudos da narrativa cinematográfica de Étienne Souriau (que chamava diegese àquilo que os formalistas russos já haviam chamado fábula) aplicados por Gérard Genette à narrativa literária, considera-se diegese o conjunto de acontecimentos narrados numa determinada dimensão espácio-temporal ("l'univers spatio-temporel désigné par le récit"), aproximando-se, neste caso, do conceito de história ou intriga. Não se confunde com o relato ou o discurso do narrador nem com a narração propriamente dita, uma vez que esta constitui o "acto narrativo" que produz o relato.

Conforme o narrador se posiciona na diegese assim recebe diferentes designações: homodiegético (se for uma personagem participante na história que narra); heterodiegético (se não for participante numa história narrada); autodiegético (se se tratar da narração do próprio protagonista da história).

Em outro plano da narrativa, consideram-se textos metadiegéticos aqueles que remetem para um plano subordinado da narração (quando um narrador introduz uma personagem que se assume ela própria também como narrador de uma história secundária); neste caso, diz-se que o primeiro narrador/texto narrado é extradiegético. A significação de diegese inicialmente proposta por Genette (de alguma forma ainda hoje repetida sem ponderação) pode levar-nos a uma aporia de difícil resolução. Como bem observa Jeremy Hawthorn no seu A Concise Glossary of Contemporary Literary Theory, "if diegesis is equivalent to story, then extradiegetic must mean 'outside the story', and therefore could refer us to the actual telling of the story, the comments from a narrator who is not a member of the world of the story. But this is exactly the opposite of what we started with: for Socrates, we may remember, referred to those cases where the poet himself is the speaker, roughly what we have just termed extradiegetic." (s.v. "DIEGESIS and MIMESIS", 2ª ed., Arnold, Londres, 1994, p.44). De discutível aplicação, este termo e seus derivados não ajudam a clarificar as subtis diferenças entre termos que circulam com alguma especificidade em línguas diferentes: diegese, récit, plot, story, fábula, trama, enredo, intriga, história, narração, narrativa, etc. Por exemplo, se se considera a diegese o mundo que a narração representa, todo aquele que se coloca fora desse mundo pertence a uma ordem necessariamente diferente dos factos narrados. É neste sentido que o conceito de nível extradiegético é falível. Se a diegese for o conjunto de sentidos que atribuímos a uma história onde entram personagens e seus valores, num dado espaço e num dado tempo, então nada pode estar fora da diegese, nenhuma instância da diegese pode existir fora dela própria. Se não for assim, não se entende como é que um narrador de uma história pode ao mesmo tempo colocar-se fora dessa história e influenciar o (dis)curso dos acontecimentos. A única forma de um narrador se colocar fora da diegese sem perder o seu controlo é fingir-se estranho ou imitando a própria realidade (princípio que, naturalmente, se liga ao conceito de ficcionalidade); neste caso, voltaríamos à primeira forma platónica: o nível extradiegético não deixou de ser o nível da mimesis, o que parece indemonstrável. Argumenta-se assim que o conceito deixa de ser operatório se apenas traduzir o significado do texto narrativo, expressão que por si só não necessita de um termo que a substitua semanticamente. Contudo, a formulação de Genette, que se tornou paradigmática, não vai mais além de esta única acepção. Por esta razão, o termo tornou-se quase incompreensível na tradição anglófona, que sempre preferiu as discussões em torno da distinção entre história (story) e intriga (plot).

FABULA; INTRIGA; NARRATOLOGIA; NÍVEL; PLOT; récit

Bib.: David Lodge: "Mimesis and Diegesis in Modern Fiction", in Essentials of the Theory of Fiction, ed. por Michael J. Hoffman e Patrick D. Murphy (2ª. ed., 1996); Étienne Souriau (ed.): L'Univers filmique (1953); G. Genette: Figures III (1972); id.: Nouveau discours du récit (1983); Manuel Alcides Jofre: "Analisis textual de la diegesis", Alpha: Revista de Artes, Letras y Filosofia, 3 (1987); Per Aage Brandt: "La diegesis", in Prada Oropeza Renato. Linguistica y literatura (Xalapa, México: Univ. Veracruzana, 1978).

Carlos Ceia

1 comentários:

Carlos Ceia disse...

Este blog é uma vergonha académica! Vive do plágio descarado. Já era tempo de terminar com o copy/paste dos verbetes do meu dicionário http://www2.fcsh.unl.pt/edtl, sem nunca citar a fonte e abusar do trabalho alheio.
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Carlos Ceia

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